A todos aqueles que apaixonadamente
procuram novas « epifanias » da beleza
para oferecê-las ao mundo
como criação artística.
« Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa » (Gn 1,31).
A arte face ao mistério do Verbo encarnado
5. A Lei do Antigo Testamento contém uma proibição explícita de representar Deus invisível e inexprimível através duma « estátua esculpida ou fundida » (
Dt 27,15), porque Ele transcende qualquer representação material: « Eu sou Aquele que sou » (
Ex 3,14). No mistério da Encarnação, porém, o Filho de Deus tornou-Se visível em carne e osso: « Ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher » (
Gl 4,4). Deus fez-Se homem em Jesus Cristo, que Se tornou assim « o centro de referência para se poder compreender o enigma da existência humana, do mundo criado, e mesmo de Deus ».
[6]
Esta manifestação fundamental do « Deus-Mistério » apresenta-se como estímulo e desafio para os cristãos, inclusive no plano da criação artística. E gerou-se um florescimento de beleza, cuja linfa proveio precisamente daqui, do mistério da Encarnação. De facto, quando Se fez homem, o Filho de Deus introduziu na história da humanidade toda a riqueza evangélica da verdade e do bem e, através dela, pôs a descoberto também uma nova dimensão da beleza: a mensagem evangélica está completamente cheia dela.
A Sagrada Escritura tornou-se, assim, uma espécie de « dicionário imenso » (P. Claudel) e de « atlas iconográfico » (M. Chagall), onde foram beber a cultura e a arte cristã. O próprio Antigo Testamento, interpretado à luz do Novo, revelou mananciais inexauríveis de inspiração. Desde as narrações da criação, do pecado, do dilúvio, do ciclo dos Patriarcas, dos acontecimentos do êxodo, passando por tantos outros episódios e personagens da História da Salvação, o texto bíblico atiçou a imaginação de pintores, poetas, músicos, autores de teatro e de cinema. Uma figura como a de Job, só para dar um exemplo, com a problemática pungente e sempre actual da dor, continua a suscitar conjuntamente interesse filosófico, literário e artístico. E que dizer então do Novo Testamento? Desde o Nascimento ao Gólgota, da Transfiguração à Ressurreição, dos milagres aos ensinamentos de Cristo, até chegar aos acontecimentos narrados nos Actos dos Apóstolos ou previstos no Apocalipse em chave escatológica, inúmeras vezes a palavra bíblica se fez imagem, música, poesia, evocando com a linguagem da arte o mistério do « Verbo feito carne ».
Tudo isto constitui, na história da cultura, um amplo capítulo de fé e de beleza. Dele tiraram proveito sobretudo os crentes para a sua experiência de oração e de vida. Para muitos deles, em tempos de escassa alfabetização, as expressões figurativas da Bíblia constituíram mesmo um meio concreto de catequização.
[7] Mas para todos, crentes ou não, as realizações artísticas inspiradas na Sagrada Escritura permanecem um reflexo do mistério insondável que abraça e habita o mundo.